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Temporada de furacões muito ativa em 2024: quais podem ser os impactos no Brasil? VEJA E ENTENDA

A temporada oficial de furacões do Atlântico, que tem início em junho, deve figurar entre as mais ativas do histórico. No início deste mês, a Universidade Estadual do Colorado (CSU) divulgou um relatório sobre a previsão estendida da temporada de 2024. Com um prognóstico com confiança excepcionalmente alta para esta época do ano, o estudo adverte para a perspectiva de uma temporada extremamente ativa. Além de causar problemas nas regiões diretamente afetadas – Caribe e Estados Unidos, principalmente –, essas condições chamam a atenção no caso brasileiro, uma vez que podem influenciar as primeiras chuvas de setembro. 

O cenário climático propício para furacões é atribuído principalmente a dois fatores: a La Niña e as águas quentes do Atlântico Norte. De acordo com a maioria dos modelos climáticos, o El Niño tende a se dissipar durante o outono do hemisfério Sul, mas há uma tendência gradual de resfriamento das águas do Oceano Pacífico Equatorial durante o inverno. Esse resfriamento progressivo pode resultar num evento de La Niña entre o inverno e a primavera austral. A previsão do International Research Institute for Climate and Society (IRI), da Universidade Columbia, nos Estados Unidos, indica uma probabilidade de 74% de esse fenômeno ocorrer no trimestre SET|OUT|NOV. 

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Previsão probabilística do El Niño Oscilação Sul (que inclui a La Niña) para 2024 

Perspectivas preocupantes 

De acordo com os cientistas de meteorologia tropical da CSU, a previsão aponta para um total de 23 tempestades nomeadas. Desse total, estima-se que 11 evoluirão para furacões, sendo que pelo menos 5 poderão atingir a categoria 3 ou superior (confira aqui mais detalhes sobre o assunto). Essa projeção representa o maior número de sistemas tropicais previstos pela CSU no mês de abril desde 1996, como demonstrado no gráfico abaixo. 

Previsões da quantidade de tempestades e furacões feitas no mês de abril de 1996 a 2024 por temporada 

Fonte: CSU. 

Nomes esgotados? 

Com a previsão da CSU de ocorrência de 23 sistemas nomeados neste ano, é possível que seja esgotada a lista de nomes de furacões designada para o Atlântico em 2024, que anualmente consiste em 21 nomes, conforme determinado pela Organização Meteorológica Mundial. Apenas duas temporadas já ultrapassaram essa quantidade: em 2005 (com 28 tempestades) e 2020 (com 30 tempestades). Nessas ocasiões, foi necessário recorrer ao alfabeto grego para nomear os sistemas adicionais. 

Lista de nomes para os ciclones tropicais que se formarem na temporada de 2024 

Fonte: NOAA/Ampere. 

Análise de anos análogos e efeitos nas chuvas no Brasil 

A previsão da temporada de furacões do Atlântico de 2024 da CSU tem como base os anos análogos de 1878, 1926, 1998, 2010 e 2020. A similaridade entre esses anos está pautada na provável La Niña e na condição quente do Atlântico Norte para o período de agosto a setembro. A fim de considerar um cenário climático mais próximo do atual, indicamos na Figura 4, a seguir, o padrão de anomalias de precipitação da primavera (SET|OUT|NOV) dos anos mais recentes desse conjunto de anos similares: 2010 e 2020. 

 Anomalia da TSM e chuvas na primavera de 2010 (painel superior) e 2020 (painel inferior)  

Fonte: NOAA/Ampere. 

Mesmo com os padrões oceânicos do Pacífico Equatorial e do Atlântico Norte similares em 2010 e 2020, houve grandes diferenças no regime de chuvas na primavera de ambos (Figura 4). Em 2020, por exemplo, novembro foi o responsável pela penalização da chuva na maior parte do país no trimestre de primavera.  

Entretanto, é essencial destacar que o déficit de precipitação naquele mês não esteve relacionado à intensa atividade dos furacões, já que o ápice da temporada ocorre em setembro. Na época, uma série de processos climáticos ocorreu, incluindo a influência de variações climáticas na escala intrasazonal, águas quentes e chuvas frequentes na costa norte do Brasil, e o modo de teleconexão “Pacific-South America” (PSA). 

Já na primavera de 2010, embora o fechamento não tenha sido extremamente positivo na porção central, áreas importantes para o setor elétrico, como o baixo Paraná e as bacias dos rios Grande e Paranaíba, registraram chuvas acima da média. Por outro lado, vale destacar que o déficit de precipitação no subsistema Sul foi uma característica comum entre os anos de 2010 e 2020, o que é típico durante estações de primavera influenciadas pela La Niña. 

Além disso, apesar da possibilidade de ocorrência de chuvas irregulares na porção central do país em setembro de 2024 devido à conjuntura climática da La Niña + Atlântico Norte quente durante o auge da temporada de furacões, historicamente observa-se que as primaveras influenciadas por eventos de La Niña tendem a ser mais favoráveis em termos de precipitação no Centro-Norte do Brasil em comparação com o El Niño. Isso indica que, mesmo que a estação comece com déficit em setembro, há uma forte probabilidade de recuperação das chuvas a partir de outubro. 

Forçantes de 2024 

Em 2023, testemunhamos um aumento sem precedentes na temperatura média global do ar e dos oceanos. Nesse contexto, destaca-se o Oceano Atlântico Norte, que tem mantido condições anomalamente quentes desde então. Esse padrão está associado à fase positiva da Oscilação Multidecadal do Atlântico (AMO) que, por sua vez, força a fase positiva da Oscilação do Atlântico Tropical Norte (TNA). A influência dessas oscilações no campo de anomalia da Temperatura da Superfície do Mar (TSM) de março de 2024 pode ser observada na Figura 5, que também apresenta os índices de ambas as oscilações. 

Figura 5. Anomalia da TSM para março de 2024, área de atuação e o valor dos índices das oscilações AMO e TNA

Fonte: NOAA/Ampere. 

Forçante 1: Atlântico Norte quente – A temporada de furacões inicia quando a temperatura da água do Atlântico atinge aproximadamente 26°C, o que geralmente é registrado entre 1º de junho e 30 de novembro. Entretanto, março de 2024 foi o 12º mês consecutivo de recordes de aquecimento no Oceano Atlântico Norte, com um nível de calor que normalmente seria observado no início de julho. Como evidenciado na Figura 5, a região que se estende da África ao Caribe está significativamente aquecida, sendo essa a área primária de desenvolvimento dos sistemas tropicais, conforme ilustrado no esquema abaixo.

 Configuração atmosférica típica do verão do hemisfério Norte

Fonte: Ampere. 

O aquecimento oceânico aumenta a disponibilidade de vapor d’água e a instabilidade do ar, ambos fatores que contribuem para a intensificação dos sistemas tropicais. Com as previsões climáticas indicando que o Atlântico Norte permanecerá quente nos próximos meses, é esperado que este oceano atue a favor da temporada de furacões de 2024. 

Forçante 2: potencial La Niña – O padrão térmico do Oceano Pacífico Equatorial desempenha um papel fundamental na evolução dos sistemas tropicais do Atlântico Norte e é considerado uma das principais forçantes dos furacões. Além disso, de maneira geral, as temporadas influenciadas pela La Niña tendem a apresentar menor cisalhamento vertical do vento (aumento da velocidade do vento conforme a altura), um elemento crucial no ciclo de vida dos ciclones tropicais: ou seja, enquanto o El Niño atua para frear o desenvolvimento dos distúrbios tropicais – devido ao aumento do cisalhamento –, a La Niña pode acelerá-lo. 

Os ciclones tropicais são conhecidos por sua estrutura verticalmente alinhada. Portanto, o aumento do cisalhamento favorece a desorganização desses sistemas. Além disso, a ação de ventos fortes sobre as nuvens de tempestade que constituem um ciclone tropical dispersa o calor latente do processo convectivo para áreas além da própria tempestade, reduzindo a força do fenômeno. 

Esse calor latente, gerado pela liberação de energia durante a condensação do vapor d’água, resulta em um processo de retroalimentação positiva para as tempestades. Ele mantém a instabilidade do ar ao redor das nuvens, assegurando a continuidade dos movimentos ascendentes (convecção). Isso é uma das razões pelas quais os ciclones tropicais tendem a perder intensidade ao adentrarem um ambiente atmosférico com cisalhamento. 

 Impacto do cisalhamento vertical do vento nas nuvens das tempestades dos ciclones tropicais
Fonte: Ampere. 

Impactos para o início do período úmido sobre o Brasil? 

O pico anual da temporada de furacões do Atlântico coincide com o início do período úmido do Brasil, entre setembro e outubro, sendo que diversos estudos evidenciam relações entre o desenvolvimento tropical no Atlântico e os potenciais impactos na circulação atmosférica sobre a América do Sul. Por conseguinte, prever a intensidade de cada temporada permite antecipar o comportamento das primeiras chuvas da primavera no país.

Padrões atmosféricos sobre a América do Sul durante a evolução de furacões no Caribe

Fonte: Machado, 2019 (adaptado por Ampere). 

Em 2019, por exemplo, a pesquisadora Laís Machado, em sua tese de doutorado, constatou que a evolução dos furacões no Caribe modula altas pressões sobre a América do Sul. À medida que os ciclones tropicais se deslocam do Caribe em direção ao Golfo do México, a alta pressão de nível superior sobre a América do Sul também se desloca para noroeste, avançando em direção ao Pacífico Leste Equatorial. 

A importância dessa alta na região tropical da América do Sul consiste na formação de uma crista no centro do Brasil que, devido às dinâmicas da circulação de grande escala, reforça a subsidência nessa área do país. Essa configuração atmosférica também pode desviar ou bloquear os sistemas frontais na região Sul, devido ao fortalecimento do Jato Subtropical ao longo da crista. Com base nessas informações, é possível concluir que a temporada potencialmente ativa de 2024 prevista pela CSU poderá afetar negativamente as chuvas entre meados de setembro e parte de outubro na região central do Brasil. 

Qual é o padrão médio de precipitação no Brasil na abertura da primavera influenciada pela La Niña e pelo Atlântico Norte Quente? 

A Figura 9 exibe a composição dos anos do histórico (1990-2023), destacando aqueles em que os meses de setembro de cada ano refletiram os critérios climáticos esperados para a primavera de 2024. Estes critérios incluem um Atlântico Norte quente (+AMO, +TNA) e a presença da La Niña (-ENSO). 

Na composição do mês, a combinação da La Niña com um Atlântico Norte aquecido historicamente resultou em um déficit de precipitação na região central do Brasil. Entretanto, observaram-se chuvas significativas, superando a média, na região do baixo Paraná. Quanto aos padrões térmicos, temperaturas acima da média predominaram nas áreas centrais do país. 

Anomalias de chuva (esq.) e temperatura (dir.) em setembro nos anos de La Niña e Atlântico Norte quente (+AMO, +TNA) de 1990 a 2023
Fonte: Ampere. 

As informações do histórico mostram que, apesar da possibilidade de irregularidade nas chuvas na porção central em setembro de 2024 devido à combinação da La Niña + Atlântico Norte quente durante o auge da temporada de furacões, as primaveras influenciadas por eventos de La Niña tendem a ser mais favoráveis em termos de precipitação no Centro-Norte do Brasil em comparação com quando há El Niño. Isso indica que, mesmo que a estação comece com déficit em setembro, há uma forte probabilidade de recuperação das chuvas a partir de outubro. 

Fonte: Linkedin

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