Delegado garante que internet não é terra sem leis e cita “rastros digitais” Veja e entenda
Ruy Guilherme detalha quais os principais golpes aplicados e dá orientações de segurança

Implantada há menos de dois anos, a Delegacia de Repressão a Crimes Informáticos em Cuiabá (DRCI) vem atuando contra golpes, fraudes eletrônicas e crimes cibernéticos. Já foram recuperados, desde então, R$ 5 milhões extorquidos das vítimas. O delegado Ruy Guilherme garante que os crimes não ficam impunes e detalha quais os principais golpes aplicados e quais as principais orientações de segurança que todo cidadão precisa seguir para viver no mundo atual, onde um crime não precisa mais de espaço físico para ser cometido e muitos se escondem atrás de telas, acreditando que a internet é terra sem lei. “Não é terra sem lei, é apenas sem fronteiras”, afirma o delegado.
Confira, abaixo, principais da entrevista
Quais são os crimes mais comuns que vocês investigam na Delegacia Especializada de Repressão a Crimes Informáticos (DRCI)?
Os crimes informáticos são inúmeros. Temos os próprios e os impróprios. Os próprios são as disseminações de vírus, hackeamentos etc. Os impróprios são os mais comuns, as fraudes eletrônicas. Os mais corriqueiros envolvem a criação de perfis falsos para, em um segundo momento, enganar pessoas próximas à vítima. Então, os criminosos realizam um ataque contra um alvo, criando um perfil falso dele ou sequestrando o perfil daquele alvo com intuito de atingir as pessoas que fazem parte da rede de contatos dele. Esses ataques, em sua grande maioria, envolvem o envio de links maliciosos. Quando a pessoa clica nesse link, tem o celular infectado por um malware e os criminosos podem subtrair dados pessoais, ter acesso a câmera, gravador de voz da pessoa. Em alguns casos, também existem malwares bancários. Nesse caso, normalmente a pessoa baixa um aplicativo de jogo na Playstore, que apesar de ser segura, possui alguns aplicativos infectados. O sistema operacional IOS é bem mais seguro que o Android.
Rodinei Crescêncio/Rdnews
Para os leigos, há como identificar essa insegurança na hora de baixar os aplicativos?
É difícil. A melhor recomendação é: evite baixar aplicativos desnecessários e tenha um bom antivírus pago no seu celular. Existem bons programas de antivírus a R$ 10 por ano.
Quais são os maiores cuidados que as pessoas devem ter para evitar se tornarem vítimas desses crimes?
“Você deixaria as portas e as janelas da sua casa sempre abertas? Permitiria que qualquer pessoa que estivesse passando na rua entrasse na sua casa? Não. Então, por que deixamos nossa rede social pública?”
Ruy Guilherme Peral da Silva
A primeira coisa: ative a verificação em duas etapas no seu WhatsApp, no Instagram e no Facebook. No Facebook e no Instagram, não selecione como verificação em duas etapas o recebimento de códigos via SMS, porque existe uma técnica chamada SIM Swap, em que o criminoso se passa por você e toma sua linha telefônica. Ele vai na loja com um documento falso, fala que perdeu o telefone e pede a transferência da linha para um novo chip. E tudo que você tiver com recebimento de código na linha de telefone por SMS, o criminoso vai ter acesso. Se colocou recuperação de senha ou acesso bancário dessa forma, ele terá acesso a sua rede social, e-mail, aplicativo bancário. Segundo passo: restrinja a privacidade de suas redes sociais, para que somente veja sua foto de perfil do WhatsApp quem está em sua rede de contatos, para que somente veja suas publicações no Instagram, no Facebook, quem faça parte da sua rede. Isso porque na grande maioria das vezes, para que os criminosos tenham êxito, eles precisam de informações detalhadas da vítima. Muitas vezes, essa informação está de ‘fácil acesso’ porque nós não restringimos nossa privacidade. Você deixaria as portas e as janelas da sua casa sempre abertas? Permitiria que qualquer pessoa que estivesse passando na rua entrasse na sua casa? Não. Então, por que deixamos nossa rede social pública? Terceiro: desconfie sempre de propostas mirabolantes, imperdíveis, promoções, situações emergenciais que chegaram até você por uma mensagem, alguém que te pediu um dinheiro, propostas de emprego imperdíveis para ganhar R$ 2 mil por dia, ou alguém te manda um link perguntando “é você aqui nessa foto? Desconfie sempre. Jamais forneça códigos que você recebe no seu celular.
O que acontece nesses casos, quando a pessoa acaba clicando nesses links?
O sequestro de WhatsApp, por exemplo. A empresa de WhatsApp disponibiliza um serviço para que quando você compre um celular novo, migre o seu aplicativo antigo para o novo aparelho. Quando você coloca o aplicativo no novo telefone, o WhatsApp manda um código para a sua atual linha, para que você confirme. Os criminosos, entendendo isso, criaram uma história para persuadir as vítimas a fornecer o código, como por exemplo, uma promoção, que para ser validada, a vítima precisa enviar o código. Se a pessoa passar esse código pedido e o WhatsApp não tiver ativado o sistema de verificação em duas etapas, o WhatsApp vai ser sequestrado. Se a pessoa tiver a verificação em duas etapas, o criminoso não vai conseguir, porque será pedido um segundo código.
Qual a verificação de duas etapas mais segura nas outras redes?
No Instagram e no Facebook, trabalhamos com aplicativos autenticadores. Recomendo o Google Authenticator ou o Authenticator da Microsoft, que são aplicativos bons. Você instala esse aplicativo no seu celular e, toda vez que for acessar as redes em outro dispositivo, além do login e senha, será pedido o código temporário, gerado a cada 10 segundos no autenticador. Além disso, é importante sempre salvar chaves de recuperação desse aplicativo, porque se você perder seu celular, pode ter problemas.
Os leilões virtuais também podem ser um meio desses criminosos aplicarem golpes?
Sim, os sites de leilões também merecem atenção, porque os golpistas criam sites espelhados com a aparência dos verdadeiros, com links praticamente iguais, simulam o leilão, as propostas, pedem nota fiscal falsa. A pessoa acaba caindo. Para não ser vítima desses fraudadores, existe um site chamado leilão seguro, de iniciativa da Associação da Leiloaria Oficial do Brasil (Aleibras), onde há sites denunciados por golpes e alertas. É uma forma de checar. É importante olhar o bem presencialmente antes de fazer o pagamento. E se o leilão diz que é do Estado, é só consultar na Junta Comercial quem são os leiloeiros oficiais cadastrados. Os criminosos trabalham para que a vítima aja rápido e por impulso, então é preciso cautela.
É possível o criminoso ter acesso a contas sem a pessoa acessar algum link?
“Há ainda uma falsa sensação de impunidade por parte das vítimas e até dos criminosos”
Ruy Guilherme Peral da Silva
Sim, quando, por exemplo, se passam por centrais bancárias, fazem contato com a vítima, a orientando a instalar um aplicativo de acesso remoto, para que os atendentes realizem uma falsa verificação na conta. Geralmente usam a desculpa de que houve alguma movimentação financeira estranha na conta. Quando a vítima passa o código, eles têm acesso e movimentam a conta da vítima. Então, é preciso tomar precauções. No geral, evitem acessar redes wifis públicas, de restaurantes, rodoviárias, lanchonetes, porque redes que várias pessoas acessam podem estar contaminadas com alguma espécie de malware. Caso você acesse as redes, o criminoso vai ter acesso a tudo que você digitar, a sua câmera, ao gravador. Mantenha atualizada o seu sistema operacional no seu dispositivo eletrônico e jamais instale softwares crackeados ou pirateados nos seus dispositivos, porque esses arquivos podem conter ‘portas dos fundos’ para a entrada de vírus, e assim atacantes virtuais têm acesso a seu dispositivo.
Com o tempo, criou-se a crença de que internet é “terra sem lei”. É mais difícil para investigar esses crimes, por não aconteceram em um espaço físico?
A Polícia Civil transita tranquilamente pelo meio cibernético. A internet não é terra sem lei. É uma terra sem fronteiras, porque com o celular você acessa um site de qualquer lugar do mundo. Mas, isso não quer dizer que não existam consequências. Tudo que nós fazemos na internet deixa rastros digitais e a Polícia Civil possui os meios, os métodos, as técnicas necessárias para identificar e prender as pessoas que se aventuram atrás de telas para cometer delitos. Então, a internet não é terra sem lei. Há ainda uma falsa sensação de impunidade por parte das vítimas e até dos criminosos. No entanto, nós temos todo um arcabouço tecnológico para atuar no meio cibernético. Para ter uma noção, de janeiro de 2021 até hoje já são quase R$ 5 milhões recuperados de golpes virtuais. De janeiro de 2023 até este momento já passamos de R$ 1 milhão.
E precisa de um trabalho integrado entre as polícias para chegar até esses criminosos que podem estar em qualquer lugar?
Sim, nós temos contato com a polícia de todo o Brasil. Somente neste ano de 2023, já realizamos três prisões em flagrante de criminosos em Mato Grosso que praticaram golpes em Brasília e Goiás. Nós nos comunicamos. Se hoje eu precisar fazer contato com o delegado de crimes informáticos do Rio Grande do Sul, em um minuto consigo. Fora do Brasil temos contatos também, como o Serviço Secreto dos Estados Unidos e outras instituições que forem necessárias para obter informações.
É comum acontecer casos em que os criminosos são de outros países?
É menos comum. O mais comum é que os criminosos estejam aqui no Brasil, em outros estados. Geralmente, os criminosos de outros estados atuam em Mato Grosso e os daqui atuam em outros estados. Mas as polícias civis têm uma rede de contatos muito grande e consegue atuar reprimindo essas fraudes.
Ainda há aquela dificuldade de uma vítima acreditar que vai cair em um golpe e, por isso, acabar se descuidando?
“A orientação é: nunca pague. A partir do momento que você pagar, os criminosos nunca vão parar de te chantagear. Jamais ceda às extorsões”
Ruy Guilherme Peral da Silva
Sim. Todos nós estamos suscetíveis a sermos vítimas de um golpe, sermos enganados. Precisamos entender que os criminosos sempre farão contatos conosco apresentando situações de urgência ou promoções e propostas imperdíveis, oportunidades únicas. Vamos sair da situação material e entrar na situação amorosa como, por exemplo, o ‘Golpe do Amor’. Geralmente as vítimas são mulheres. Os criminosos se passam por policiais ou empresários que estão em missão no exterior, ou algo do tipo, inicia-se um namoro virtual e depois de um tempo o criminoso manda um pacote de presente para essa mulher. Ele filma o presente, manda um site com link de rastreio e esse pacote nunca chega. O objeto supostamente para na alfândega e os falsos funcionários entram em contato com a vítima para que ela pague uma taxa para liberar esse pacote. Às vezes a taxa é R$ 1 mil ou mais. A pessoa paga porque o golpista fala que o presente é de um valor muito superior. Já os homens, a partir de 50 anos, são as vítimas preferidas no golpe do ‘nudes’ ou ‘golpe da novinha’. Uma mulher jovem, bonita, faz contato, envia um vídeo de nudez, pede um vídeo de volta também e inicia a extorsão para não levar a público. A orientação é: nunca pague. A partir do momento que você pagar, os criminosos nunca vão parar de te chantagear. Jamais ceda às extorsões. Se você perceber que foi vítima de qualquer golpe ou teve o celular invadido, procure a Polícia Civil imediatamente, ligue no 197, registre o boletim de ocorrência na delegacia virtual, para que possamos tomar as medidas cabíveis. Também acolhemos as vítimas, porque na grande maioria das vezes que a pessoa cai em um golpe, a primeira coisa que sente é vergonha, porque jamais imaginou que cairia.
E quanto mais pessoas fazem as denúncias, mais fácil é chegar nesses criminosos?
Exato. A reiteração do crime vai ajudar a mostrar a conduta criminosa, que eles estão recorrentemente praticando crimes. Isso auxilia muito na investigação, porque imputamos mais crimes ao criminoso podemos conseguir mais cautelares judiciais para identificar essas pessoas. Além disso, sempre que o cidadão for vítima de um golpe e transferir valores ou efetuar pagamento de boleto, se ele perceber o golpe logo após, no mesmo dia, ou questão de horas, procure a delegacia mais próxima, registre a ocorrência, para tentarmos bloquear esse valor, acionarmos as instituições financeiras para que elas tomem providencias. É importante procurar a Polícia o quanto antes. Além da delegacia virtual, o cidadão pode procurar atendimento da Polícia Civil pelo 197 e pelo WhatsApp da DRCI, o (65) 99973-4429.
Fonte: RD News